sábado, 31 de dezembro de 2011

UM ALENTO NO ÚLTIMO DIA DO ANO PARA COMEÇAR 2012 COM ESPERANÇAS

Hoje acordei com algumas mordidas de aranha nas mãos e no rosto. No café da manhã rolou uma boa conversa sobre o que deveríamos fazer com a coitadinha. A opinião geral é exterminar e matar. Eu, que sou a suposta vítima, tenho estado cada vez mais praticante da não-violência, então o que eu queria era encontrar nossa amiguinha e soltá-la na grama do parque em frente ao hostel. “Corra para a floresta, amiga!”. Pura maldade! Ela seria carbonizada até a morte lá. Hahaha. Ai, sem humor negro hoje. Eu provavelmente matei esmagada a coitada da aranha e ela deve ter me mordido em tentativas desesperada de me tirar de cima dela. De qualquer forma a conversa de não-violência no café da manhã foi uma quebra no assunto constante do incêndio que já está deixando todo mundo um pouco cansado. É tanta gente falando tanta coisa. E muita especulação. As pessoas vêm bater na porta do hostel, com os olhos arregalados, fazendo perguntas, querendo saber da situação. A política agora aqui no Erratic Rock é não falar mais nada. Porque tem muita fofoca correndo por aí, e as pessoas possuem um gosto mórbido por fofocas e tragédias. O que sabemos é que ao final os Refúgios se mantiveram intactos, embora o fogo esteja queimando todos os acampamentos ao redor. Ou seja, Paine Grande sobreviveu! Após a notícia do fogo alcançando Las Torres não sabemos mais nada, então esperamos que ele também se salve. Ontem por volta das 17h uma chuva começou no parque. Talvez fruto de tanta oração das pessoas locais. E o que nos chegou hoje cedo foi que a chuva ajudou a diminuir a intensidade do fogo e os ventos estão mais moderados. Embora ele continue ardendo em três frentes, o panorama geral parece se apresentar mais controlável. Quanto a situação do parque, ele permanece fechado e deve continuar por toda a temporada. Alguns dizem que por todo janeiro, outros até fevereiro. O que ninguém diz é que, não importa quando seja aberto, será um grande cemitério carbonizado sem nenhum traço da fauna e da flora única da Patagônia. Esse é o tipo de coisa que ninguém nunca quer pronunciar mesmo. Sobre os suspeitos... Tenho evitado falar sobre eles porque já ouvi muita besteira e muita coisa perigosa por aqui. O Felipe, que é um guia local e foi o cara que identificou o fogo, testemunhou os culpados e ficou combatendo sozinho com as próprias mãos até que a ajuda chegasse, estava aqui no hostel até ontem. Ele passou pela investigação, identificou os culpados. Segundo ele foi um grupo de turistas israelenses, 2 meninas e 4 garotos. Estavam acampando fora da região permitida e acenderam uma fogueira. Fogueiras são proibidas no parque. De acordo com o relato dele o grupo foi preso e as garotas pareciam assustadas, mas os rapazes apresentaram uma atitude arrogante o tempo todo. Se recusaram a falar qualquer coisa e disseram que só falariam com a presença de alguém da embaixada. Daí existe especulação sobre um dos garotos ser VIP, (ter imunidade diplomática ou algo assim), ou sobre um vídeo que eles apresentaram colocando-os fora do local. De qualquer forma eu sempre acho muito complicado qualquer tipo de acusação e especulação em cima de culpa sobre um crime tão terrível. Os turistas israelenses foram liberados na quinta-feira, e devem estar muito longe do Chile hoje. Agora a polícia disse que continua em busca dos culpados. A verdade é que todo mundo sabe que esses culpados nunca vão aparecer. Existe um certo movimento no ar contra turistas israelenses em geral, o que eu pessoalmente acho MUITO perigoso. No momento em que começarmos a generalizar atitudes de pessoas pelas suas raças, sexos, nacionalidades, religiões... estamos a um passo de perdermos nossa essência de humanidade. A violência se manifesta de maneiras muito sutis antes de explodir em manifestações físicas. Eu acho que o mundo já tem violência demais e não precisa de mais. Então eu não vou falar de culpas, eu não vou falar de punição e castigo. Eu acredito que, por mais irresponsável que a pessoa tenha sido, ninguém faria uma coisa dessas intencionalmente. Eu não acredito que alguém seja capaz de tamanha maldade de forma consciente. Então eu acredito que essa pessoa vai ter de passar o resto da vida sabendo que sua irresponsabilidade causou um desastre natural de proporções gigantescas. E cada um sabe o que carrega quando coloca a cabeça no travesseiro à noite para dormir. Embora eu concorde que uma punição protocolar deveria ser aplicada, mas acho que a maior punição que se pode ter é o peso da própria consciência. Isso já é de uma violência agressiva suficiente. Não sou eu quem vai incentivar qualquer julgamento, raiva ou mais violência. Hoje vou fazer uma cavalgada na Dorotéa, uma serra ao redor de Puerto Natales. Pode-se ver os condores de cima lá. Nas agências de turismo as pessoas fazem filas para receberem reembolsos de seus pacotes de viagem, muitas desistências. Todo mundo fugindo da cidade. Pode-se ver a tristeza nos olhos dos agentes. Existem várias coisas para se fazer em Puerto Natales além de Torres Del Paine. Enquanto eu estiver aqui, vou tentar ajudar a economia local. O vento hoje parou. As folhas das árvores nem se mexem. Amanhã começa um ano todo novo, cheio de possibilidades e esperanças. Vamos esperar que a chuva volte, que o vento pare. Que os turistas não fujam. Que as pessoas locais possam continuar com suas vidas. Que nós sejamos capazes de encontrar as aranhas que nos mordem e soltá-las livres nas florestas. E que essas florestas não estejam em chamas. Feliz Ano Novo para todos vocês. =)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

TRAGÉDIA


Não dá para definir de outra forma o que está acontecendo aqui em Puerto Natales. Os chilenos são muito discretos, a vida continua, mas o luto está no ar. Até agora mais de 8.500 hectares forma consumidos pelo fogo, que está incontrolável e muito abastecido pelos fortes ventos. (Chegam à 100Km/h!!!). Existe falhas de autoridades em todas as partes. A evacuação está sendo feita sem nenhum planejamento. Conversei com um casal brasileiro que saiu do parque hoje cedo e disseram que vans estão fazendo leilão com assentos para deixar o parque. Você praticamente tem de pagar para ser evacuado. Não existe nenhum órgão governamental a cargo, praticamente terra de ninguém. Consequentemente os hotéis e hostels da cidade estão lotados. Transporte para deixar a cidade também. Algumas pessoas estão pagando caro por pacotes turísticos para El Calafate apenas para utilizarem o transporte privado para sair de Puerto Natales. O incêndio está tomando proporções gigantescas. Embora o último grande incêndio tenha atingido 15 mil hectares (corrigindo informação do outro post) em 2005, ele aconteceu em uma zona erma do parque e não afetou os circuitos clássicos de trekking (W, O e Q). As notícias que chegam hoje são difíceis de acreditar. O fogo agora avança por duas frentes. Segue ao Sul por todo o Lago Pehoe. Já atingiu o Campamento Las Carretas e está próximo da administração central do Parque. (!!!) A sede administrativa da CONAF deve estar em chamas no momento em que eu publico esse post. Ao leste o fogo avançou pelas margens do Lago Nordenskjöld. Destruiu o Refúgio Los Cuernos e cerca de uma hora e meia atrás estava atingindo o Hotel Las Torres (que era um empreendimento luxuoso, belíssimo). A tendência é subir o Vale Ascencio, o que significa o fim do circuito de trekking mais popular de Torres Del Paine. Todo o W se foi. TODO! O governo declarou o fechamento do parque por todo o mês de janeiro. Mas sabe-se que a trilha demorará anos até poder ser freqüentada novamente. É uma tragédia tão grande que não sabemos muito como falar. As pessoas estão quietas, cabisbaixas. Espera-se desesperadamente por chuva, mas o tempo está ensolarada, seco e com muito, mas muito, vento. Não há uma única nuvem no céu. Hoje de manhã podíamos ver a fumaça do parque pelo porto. Uma tristeza terrível. O clima é de uma impotência sem tamanho. Não há o que se possa fazer. Sabe-se que há 3 helicópteros trabalhando e cerca de 400 brigadistas no parque, mas o fogo está descontrolado e o tamanho das chamas é assustador. Hoje pela manhã um grupo de garotos aqui do hostel saiu para se juntar aos voluntários e ajudar no combate. Voltaram às 9h30. Foram dispensados. Não estão se responsabilizando por civis como voluntários. O perigo é altíssimo. Sabemos no entanto que nem todo o parque foi evacuado e que existem pessoas no setor norte ainda em trilha, e que nem tem conhecimento da proporção da tragédia. No comércio local o clima é de medo e incerteza. Toda a economia da cidade se baseia no turismo, mais especificamente no turismo do Parque. Hoje, às 14h, houve manifestação e buzinaço de guias turísticos e agentes de viagens, e da população local que desfilou com a bandeira de Magallaes nos carros. É difícil de acreditar que o maior cartão postal da Patagônia está sendo destruído bem embaixo dos nossos narizes e não há nada que possamos fazer. Eu, particularmente, sinto-me responsável de alguma forma por estar aqui testemunhando. Estou pelo menos tentando fornecer o máximo de informações online para outros viajantes. Espero que sirva de algo para alguém.

Abaixo um vídeo de um turista enquanto era evacuado do parque. O tamanho das chamas é impressionante!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Só para fazer sentido, um mapa do W para entender a dimensão do fogo.

UPDATE DE PUERTO NATALES


Agora à tarde aconteceu uma palestra aqui ao lado na guardería do Erratic Rock. A palestra acontece diariamente às 15h e esclarece todas as dúvidas para os viajantes planejarem suas trilhas. Todavia hoje nem mesmo os guias sabiam ao certo o que falar sobre a maior parte do circuito e do W. Sabíamos que do Vale Del Francês até Los Cuernos e o Refúgio Grey estava tudo fechado e repleto de fumaça. De um jeito que não se pode respirar. (Esse trecho corresponde à curva oeste do W e sua entrada central, ou seja, 2/3 do percurso) Mas ao final da palestra um guia local chegou com informações recentes e precisas. Ele estava até hoje cedo como bombeiro voluntário ajudando a combater o fogo e evacuar a área. O fogo já atinge 1,5 mil hectares do Parque e agora avança pelas duas margens do Lago Pehoé. Refúgio Paine Grande não existe mais. Foi totalmente destruído pelo fogo. Difícil não se emocionar com a narrativa dele contando como ajudou amigos a pegar o que podiam de suas casas, fotos dos filhos e bens pessoais, sabendo que em 20 minutos as chamas atingiriam a região. Pelo seu relato a situação NÃO está sob controle e não existe previsão para acabarem com o fogo. Por isso mesmo o que ele disse foi que a última coisa que precisam agora é de turistas dentro do parque. Embora a entrada leste por Laguna Amarga e Las Torres esteja aberta e não está sendo atingida por fumaça e cinzas, recomenda-se fortemente que turistas não iniciem trilhas amanhã. A Província de Última Esperanza continua em alerta vermelho e já solicitaram ajuda do fundo público, dos militares e de brigadas de bombeiros argentinos. O último grande incêndio que atingiu o Parque Nacional de Torres Del Paine foi em 2005, também de proporções devastadoras. Foram 1,9 mil hectares queimados que demoraram cerca de 15 dias para serem contidos. Na época o governo demorou uma semana para pedir ajuda argentina. O corpo de bombeiros chileno é voluntário e não é uma carreira remunerada. Não existe um plano de contenção para a região. O incêndio de 2005 foi causado por um turista tcheco. Ele foi multado em US$120mil e deixou o país sem maiores consequencias. O Governo da República Tcheca enviou dinheiro, material e especialistas para ajudar a recuperar os danos ambientais causados. O incêndio que ocorre agora foi causado por um grupo de turistas israelenses que estavam acampando fora das áreas de camping. Não temos mais nenhuma informação sobre eles até agora, mas na minha opinão isso é crime e deveria dar cadeia.


FOGO EM TORRES DEL PAINE

Ontem antes de partir de El Calafate o Carlos, dono do Hostel Buenos Aires onde eu estava hospedada, disse que tinha recebido notícias de um incêndio no Parque Nacional Torres Del Paine. Fui para a rodoviária preocupadíssima, já que minha intenção era entrar no parque hoje e acampar por 3 dias nas trilhas. Sem muitas informações lá fui eu para uma viagem de cerca de 6 horas de ônibus non-stop. Mentira! Teve stop apenas para imigração na fronteira da Argentina com o Chile, mas não foi um stop nada agradável. Fila longa, muita espera e NENHUMA tienda vendendo comida ou água. Eu tinha separado um lanche para a viagem, mas acabei dando para um cachorrão adorável que veio fazer festa para mim enquanto eu esperava o ônibus. De qualquer forma acredito que ele tenha aproveitado mais o sanduiche de queijo, e eu posso sobreviver algumas horas sem comida e não necessariamente morrer de inanição. A paisagem dessa parte da Patagônia é bem erma. Completamente oposta da Terra do Fogo, onde árvores, riachos, lagoas compunham um quadro muito mais úmido à Cordilheira Nevada. Com trechos muito mais planos a Província de Santa Cruz, na Argentina, e na de Última Esperanza, no Chile, que apresentam imensidões secas e horizontes desérticos. Pode-se quase ouvir os acordes de uma guitarra à la conto de Sam Shepard. Kilometros e kilometros de estrada sem absolutamente nada do lado de fora. Vegetação rasteira, algumas ovelhas pastando, das estâncias ao redor. Puerto Natales está bem mais frio que El Calafate. Um vento gelado, embora hoje esteja fazendo um belo dia de Sol. Aqueles dias típicos de inverno que estamos acostumados no Brasil, em que o Sol brilha forte e é muito gostoso sentar nele, mas à sombra se congela e uma xícara de chá de camomila pode ser o maior conforto que se procura no mundo. Ontem até desempacotar, procurar ATM, procurar um lugar aberto para jantar, tomar banho e colocar pijama, já era mais de 1h da manhã. Quase imperceptível já que o Sol se pôs às 22h30. Eram 22h50, eu entrava em um bar para comer uma das piores pizzas da minha vida, e a luz que rodeava a cidade era de um alaranjado deslumbrante. Pena que eu estava cansada demais para manter os olhos totalmente abertos. Hoje acordei às 8h30. O mais tarde possível em um hostel de trekkers. O dono do Erratic Rock Hostel é o Bill, um estadounidense com alma latina. Ele pessoalmente serve o café da manhã enquanto conversa e pergunta dos seus planos. Café da manhã, aliás, digno de quem vai fazer trilha por 12 horas no meio do mato. Cereais, 3 tipos de iogurte, café, leite, chá, geléias caseiras diversas, pão caseiro incrível e omelete fresquinha que ele mesmo faz. O melhor de tudo (e uma raridade nesses hostels): manteiga de verdade! Em geral nos servem alguma margarina processada e barata totalmente intragável. Durante o café consegui mais informações sobre o incêndio. Começou na noite do dia 27 para o dia 28 de Dezembro. Até agora já atingiu cerca de 300 hectares do parque. A parte oeste foi evacuada, mas a parte leste continua aberta e sem risco para turistas. Alguns hikers que voltaram hoje para o hostel disseram que a vista das torres está comprometida, e que se avista a fumaça mesmo a distância. O incêndio começou nas redondezas da Laguna Los Patos e Lago Grey, acredita-se por um grupo de turistas israelenses que acenderam uma fogueira para cozinhar. Fogueiras são proibidas dentro do parque, fora dos campings designados. O W (que é a rota de 5 dias e uma alternativa muito popular do trekking completo de Paines de 10 dias) está impossibilitado de ser feito. Os refúgios Grey, Pehoe, Paine Grande, Campamento Italiano e o Vale Francês estão fechados. Essa é exatamente a região do centro do W, ou seja, não se pode cruzar do lado oeste para o leste. Cerca de 400 pessoas foram evacuadas dessa região. Existe uma brigada com mais de 120 pessoas, bombeiros e voluntários trabalhando para conter o fogo. A Província de Última Esperanza continua em alerta vermelho e conta com a chegada de helicópteros agora ao meio-dia. A região atingida pelo incêndio só pode ser acessada por ar ou por barco pelo lago. Os ventos fortíssimos têm contribuído para espalhar as chamas na região que já é bastante seca, além de dificultarem o acesso dos helicópteros à área. Até agora as autoridades dizem estar atacando o incêndio pela cabeça e pelo final e declaram ter a situação sob controle. A entrada leste continua ativa, e o turismo pelo Campamento Chileno, Campamento Torres, Campamento Serón e Refúgio Dickson continuam normalmente. Assim como o Paso John Gardner, mas não é possível dar a volta e é necessário caminhar o percurso todo de volta. Ninguém falou da situação no Refugio Los Cuernos. Aqui não temos muito mais notícias, as mais confiáveis vêm dos trekkers que chegam evacuados do Parque, e há muito especulação na mídia. Eu cancelei minha ida hoje ao parque e estou me preparando para entrar amanhã. Provavelmente devo entrar por Laguna Amarga e seguir até o Campamento Torres, acordar de madrugada para subir ao mirador e tentar fazer belas fotos vermelhas do amanhecer. É possível que daquele ponto tenha uma enorme moldura de fumaça. De qualquer forma estou na esperança de, até o final do dia estar tudo mais controlado.


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

EL CALAFATE



Amanhã estou empacotando novamente, dessa vez para Puerto Natales, Patagônia chilena. Foram 4 dias em El Calafate. Dois deles bem estranhos. Calafate é uma frutinha típica aqui da patagônia. Pequena como uma ameixinha, também tem coloração roxa e é bem gostosa. Eles fazem sorvete de calafate e é a sensação entre os turistas. Se for provar aconselho o da Ovejitas de Patagonia, uma loja de chocolates, alfajors e sorvetes da região. Tudo muuuito gostoso. El Calafate também é a cidade que serve de base para uma das entradas do Parque Nacional dos Glaciais, a mais próxima do famoso Glacial de Perito Moreno, e é a cidade do Kirchners!!! Sim! Aqui se apóia a presidente até embaixo do gelo. Também não é por menos. Há cerca de 10 anos El Calafate não tinha mais de 5000 habitantes. Hoje é uma das grandes potências do turismo na Patagônia. Ganhou infra-estrutura, injeção de dinheiro e um aeroporto. Então El Calafate até que é uma cidade fofinha. Tem uma rua principal, onde estão todas as lojas e restaurantes, e é basicamente isso. Cheguei no Natal e encontrei Shamila. Ficamos tomando um vinho no hostel dela e depois fomos para esse bar que parece que oferecia um menu completo de ceia de Natal. O que acabou se tornando o maior engodo. Foi caro, a comida horrível e acabamos fazendo amizade com um casal francês ao nosso lado que também tinha caído no tal menu. Saímos de lá e fomos para um bar tomar drinks e dar risada. Tomei Piña Colada. No domingo de Natal estava tudo fechado. Tudo, eu digo tudo mesmo. Não consegui nem comprar comida. Bateu uma tristezinha de estar longe da família. Passei o dia tentando ligar para minha mãe sem sucesso. Rolou um “snif”. Então eu fui em um restaurante com cara de bacana, pedi um ravióli de espinafre com molho de cogumelos e uma garrafa de vinho, e fiz uma boa refeição. Só percebi os efeitos da garrafa de vinho quando levantei. No dia 26 também tudo fechado. Rá! Como o feriado caiu no domingo, eles esticam para a segunda, vê se pode! Aproveitei para dar uma pausa e reorganizar minha programação, já que o tour de Dientes Navarino não vai rolar. Resolvi ir para Puerto Natales fazer o W da Torres Del Paine e depois para El Chaltén. Porque uma coisa que se descobre bem rápido aqui é que as melhores coisas para se fazer estão em El Chaltén. Tudo bem, aqui tem Perito Moreno, o tal glacial, mas é basicamente só isso. As outras opções de passeio você pode fazer melhor em algum outro ponto da Patagônia. Se a pessoa está só em El Calafate, entendo. Mas para quem vai viajar outras cidade, não tem porque perder tempo e dinheiro fazendo cavalgadas, 4x4, "safaris aquaticos", e etc. Tudo muito caro para o que oferecem. O Minitrekking não. Esse foi espetacular. Conforme o barquinho foi se aproximando daquela maçaroca de gelo, eu só pensava: “Nussa!”. É como um túnel do tempo ao nosso passado. A prova mais concreta da Era do Gelo, ali, imensa, palpável. Perito Moreno agora está encostado na montanha novamente. Em 2008 ele se rompeu, foi um show. Agora encostou novamente e ninguém sabe dizer quando vai se romper. Fico imaginando o poder de uma cratera de gelo sendo implodida pela água. Deve ser assustador. Duranto o tempo que estávamos no trekking, virava e mexia alguma pedra se desprendia e caia no lago. Era uma coisa assustadora. O som ecoava por todo o vale como se fosse uma bomba, e parece que não vai parar. Toda aquela imensidão azul e branca de gelo de repente tão frágil, desmoronando na sua frente. E você não sabe se vai ser dessa vez que o glacial inteiro vai derreter, como torrão de açúcar em chá quente. O Minitrekking é feito por uma região de degelo do glacial. Então é como passear por enormes dunas de gelo, com diversas poças, lagoas, riachinhos azuis celestes, que vão se formando e correndo embaixo dos pés. Demora um tempo para acreditar que estamos caminhando sobre as águas. E quando se entende, aí sim a gente vê o milagre. Depois ainda fomos às passarelas, que são enormes e proporcionam uma visão completa da imensidão do glacial. Eu encostei no parapeito e fiquei um tempão ali refletindo. Não pelo assombro da visão (que é sim um assombro, e é difícil de acreditar que estamos de fato frente a algo real), mas pela nossa insignificância. Um pouco antes lá estava eu, cravando meus crampons em parte do gelo. Perdida em dunas de água e azul. Depois ao longe me enxerguei um verme, achando que dominava algo do gigante indomável da vida. Ficar frente a tamanho assombro torna nossa insiguinicância concreta. Falta tanto para nós! Existem coisas que são absolutas. Que traduzem o sentido de imensidão. Afinal, aquilo tudo é só água. A boa e velha H2O. Ainda assim ela pode acabar com a gente em um estalar de dedos. Esmagar como sem que ao menos possam ouvir o ruido dos nossos ossos quebrando. Só porque o mundo é um lugar grande demais para que o dominemos. Graças à Deus!


sábado, 24 de dezembro de 2011

UMA SEMANA DE UMA VEZ


Eu tinha intenção de, pelo menos durante a viagem, manter o blog mais ativo. Acontece que de boas intenções o inferno está cheio, e esse ditado minha vózinha já dizia. Então tentando alcançar o tempo perdido (mesmo que seja uma ilusão alcançar qualquer tempo) aqui vai um mega post com tudo e mais um pouco da minha primeira semana na Patagônia. Segura aí!


Sábado, 17/dez

Juro que tinha isso no aeroporto!


Meu vôo sairia às 7h de Guarulhos. Isso significa que fiz minha irmã acordar às 4h comigo para me levar ao aeroporto. Primeiro veio a notícia de um atraso, depois o vôo foi cancelado, e o que se sucedeu foi uma bizarra jornada de 14 horas presa no aeroporto porque a Aerolíneas Argentinas está tão falida que não queria pagar hotel nem alimentação para a gente. Então acharam que a melhor solução era enrolar todos os passageiros na sala de embarque o máximo que pudessem. Acabei fazendo amizade com metade dos passageiros. Chegou ao ponto de alguém perder o controle e tentar acertar a cabeça do atendente com um desses mastros de demarcar fila. Houve bate boca, palavrão. Tudo muito triste. Então resolveram fazer alguma coisa e nos colocaram em um vôo da Gol que sairia para Buenos Aires às 19h. Quando todos já estavam sem energia, mofando na fila de check in da Gol, eu consegui uma gargalhada geral quando confessei que estava fazendo essa viagem para tratar uma crise de Burnout. Trágico, mas hilário. Dormi em Buenos Aires para pegar a conexão para Ushuaia só no dia seguinte. Um dia a menos de Patagônia.


Domingo, 18/dez

No "cuelo del Mundo".


Tomei café da manhã assistindo aos argentinos vibrando com a lavada do Barcelona sobre o Santos. Dormi quase todo o vôo de 3 horas até Ushuaia e acordei com o anúncio dos procedimentos de pouso. Olhei pela janela e estávamos sobre as nuvens, imagem linda, toda branca como um sonho. Então as nuvens foram lentamente se dissipando e abrindo para revelar uma Cordilheira dos Andes nevada bem aos meus pés. Meu coração disparou. É como pousar no Rio vendo a Baía de Guanabara, ou chegar na Guatemala com um vulcão em erupção. Uma dessas vistas que nos marcam para sempre e fazem um maravilhoso prólogo de uma viagem que está por vir. Se fosse um filme teria uma trilha sonora. Na realidade eu ouvia Bob Dylan no Ipod. A cidade é adorável. Fiquei passeando pela orla do Canal de Beagle e me apaixonei pela minha nova lente 20mm. Comprei um vinho caro e fiz amizades no hostel.


Segunda-feira, 19/dez

Olha a metida velejando no Canal de Beagle.


Acordei pensando em ir ao Parque Nacional da Terra do Fogo, mas mudei de ideia durante o café da manhã e me juntei à Shamilla e Christopher, meus companheiros de quarto, que estavam indo fazer uma navegação pelo Canal de Beagle. Fomos com a empresa Três Marias que é super indicada em todos os guias de viagem. Eles fogem do roteiro convencional e usam veleiros em vez dos horríveis catamarãs. Vendo os catamarãs no porto não tinha como evitar a associação àqueles ônibus turísticos de dois andares que ficam rodeando Roma e Paris. Dá calafrios! Navegação foi incrível. O guia era um garoto adorável e fiquei tomando chimarrão (mas aqui eles chamam de mate) com ele e o piloto (é piloto que se diz? Marinheiro? Comandante? Chefe? Motorista? Humpf!). Pontos altos foram a Isla de Lobos, repleta de leões marinhos. Impressionante e bem inacreditável estar em um lugar em que se pode ter contato com animais em seus habitats naturais. Não cansava de fotografar. (Além de pular e dar gritos como uma criança). Depois fizemos um curto trekking na Isla H, com reservas antropológicas dos Yamanás. Curiosíssimo! Comi alface do mar. Foi gostoso. Ao final, eu e Shamilla almoçamos juntas e fomos no Museu do Presídio. Engraçado como acho fascinante museus de presídios. Algo errado comigo. E depois eu fui comprar uma calça de hiking nova. Dei uma boa engordada e a minha já não estava nada confortável. Lojas de equipamentos aqui estão por todos os lados. Os preços ridiculamente mais baratos do que no Brasil. Voltei para o hostel em tempo de desejar feliz aniversário para a minha irmã e para a MH.


Terça-feira, 20/dez

Ache o castor!


Passei o dia surtando tentando trabalhar. Completamente improdutiva. Sei que não deveria, mas fico toda atrapalhada. Ao final do dia fiz um tour em uma castoreira. Castores não são animais nativos, mas foram trazidos para o Ushuaia para produção de peles. A indústria deu errado e largaram os bichinhos na natureza. Sem predadores naturais, viraram uma praga. Ainda assim são adoráveis de serem vistos, e como são animais noturnos só saem ao entardecer. No tour estavam um dos passageiros do episódio de Cumbica com o filho. Nos divertimos. Fiquei assistindo os bichinhos construindo o dique no rio e tirando fotos, depois voltamos ao Valle Hermoso onde os anfitriões Andreas e Kiti prepararam jantar. Um maravilhoso prato vegetariano para mim. Vinho, lareira e conversa até meia-noite. Noite perfeita.


Quarta-feira, 21/dez

Notem a quantidade de cocô de pinguim na minha roupa.


Chegada do verão e nevou durante a noite. Os Andes a volta da cidade amanheceram completamente brancos. Uma visão de tirar o fôlego Ushuaia com moldura de neve. Fui cedo para o porto encontrar o tour da Piratour para a ilha dos pingüins. A Piratour é a única que efetivamente desembarca na ilha para que se possa andar com eles. Uma viagem um pouco longa e cansativa. O dia estava chuvoso e nublado. Mas assim que chegamos... Inacreditável! Haviam centenas de pingüins na costa. Ainda não consigo acreditar na visão. Tinha vontade de sair correndo e abraçar todos eles como a Felícia do desenho, mas a regra era se mover o mais lentamente possível. Tirei milhões de fotos. Milhões. Deitei nas pedras da praia, troquei lentes. Na região existem duas espécies, os magallanes e os papuas. Mas tivemos sorte porque na ilha havia um pingüim rei perdido. Lindo! Tentando fazer mimetismo entre os amiguinhos. Entre os ninhos podíamos ver os filhotinhos. Os ovos se chocaram há 20 dias e os bebês já saem para pequenas voltas. Retornando ao barco fui atacada por um pingüim. Ele veio pulando na trilha, tentando bicar minha perna. Comprei pingüins de pelúcia para meus sobrinhos.


Quinta-feira, 22/dez

Mim qué!


Acordei bem cedo para fazer um tour de 4x4 pelo parque. No carro um casal basco com o filho de 25 anos e um amigo, e um casal argentino. Todos ótimas pessoas. Paramos em uma estação de esqui no caminho para um café e no período de 2 horas o tempo passou pelas 4 estações do ano. Começou com muito vento, daí nublou, choveu, neve, abriu com Sol, nublou de novo, vento e chuva. Em 2 horas!!! Juro! Tenho congelado de frio. Fizemos a trilha de 4x4 e paramos na beira do Lago Escondido para um picnic. O guia fez churrasco. Para mim assou pepinos (!!!). Duas raposas ficaram rodeando. Lindas! Vinham tão pertinho, tentavam me cheirar. Eram como cachorrinhos fofos. Mais milhares de fotos! Depois fomos andando pela beira do lago até uma estalagem onde pegamos algumas canoas e passamos 1 hora no lago remando e destruindo os músculos do ombro. À noite estava tão exausta que baixei um filme no computador e fiquei assistindo na cama.


Sexta-feira, 23/dez

E esse foi só o começo da trilha.


Resolvi finalmente ir até o Parque Nacional da Terra do Fogo. Levei meu passaporte para carimbar no Correo Del Fin Del Mundo. Eles colocam um carimbo de que você esteve no fim do mundo. É bobo, mas é legal! Mandei postais para meus sobrinhos de lá também. Vão com carimbo de fim do mundo. Hahahah!Fiz a trilha Costanera, linda! Daquelas paisagens que nos fazem lembrar que estamos vivos, que o mundo é um lugar maravilhoso e que Deus existe. Parei em uma encosta para fazer picnic. O frio fazia o azul do céu ficar ainda mais forte. Poderia passar a tarde toda ali. Mas apertei o passo porque queria voltar antes das 17h para a cidade. Queria enviar por correio os pingüins dos meus sobrinhos para aliviar o peso da mochila. Acontece que cheguei em Ushuaia e tudo fechado. Por causa do Natal! Absurdo. Fiquei tão puta que comi dois churros. Com doce de leite. Voltei para o hostel e a empresa que estava reservando a trilha de Dientes Navarino que eu ia fazer semana que vem fez uma confusão danada e queria fazer várias exigências para a reserva. Eu teria que perder um dia de burocracia para resolver tudo. Fiquei puta duas vezes. Cancelei o tour e fui até uma casa de vinhos. Comprei o vinho mais caro que eles tinham e passei a noite tomando o maravilhoso Angelica Zapata e mudando meus planos para a próxima semanal.


Hoje embarco para El Calafate. Shamilla já está lá e disse que arrumou uma ceia de Natal para nós junto com alguns locais. Acho que vai ser divertido. Tive de socar todos os pingüins dentro da mochila. Estou com medo de ser presa no aeroporto por crime ambiental. De qualquer forma, peso extra vou ter de pagar.


terça-feira, 22 de novembro de 2011

UM, DOIS, TRÊS INDIOZINHOS...




Sou viciada em séries. Não é segredo, é assumido. Não tenho nem um pingo de vontade de me recuperar. Pelo contrário. Analiso roteiros, vejo e revejo. Das minhas séries favoritas está “24 Horas”. Assistia cada temporada em uma sentada no final de semana. Aquele som do relógio correndo antes de cada intervalo e nos finais dos episódios. Era eletrizante! Até o dia que você acorda e aquele barulhinho está dentro da sua cabeça.


Pois é... nunca achei que aconteceria comigo, mas aconteceu. Eu tive a crise do relógio biológico (ou ainda estou tendo, vai saber!). Eu achei que esse tipo de coisa não acontecesse comigo. Ganhei uma gargalhada do meu terapeuta até. Nem sei como explicar o que acontece, ou com acontece. Mas um belo dia parece que todas as escolhas que você fez na vida estão erradas. E sua mente se enche de questões como “E se não der tempo?”, “E se eu não encontrar um grande amor?”, “E se eu nunca formar uma família?, “E se eu nunca tiver filhos....”


Pior que não existe resposta para perguntas como essas. Então eu me guardei. Fechei em casa. Reclusa. Comi muito mal coisas que engordam muito. Parei de meditar. Parei de malhar direito. Parei até de ter vontade de trabalhar. Minha única vontade é ficar fechada em casa e dormir. Pensar que talvez a vida possa dar um pause para o intervalo. Me deixar correr e pegar algo na geladeira, fazer xixi enquanto os fatos não voltam. Não se faz muito com uma Crise do Relógio Biológico. Não é algo que você seja capaz de resolver. Ela existe, e é isso, e ponto.


Antes que eu começasse a tomar aquelas atitudes de desespero como, aceitar blind dates pela internet, procurar ex-namorados, comprar um cachorro, dar chance para os losers pegajosos que a gente sempre ignora. Antes que eu perdesse todo o senso, deixei bem claro para mim mesma que nenhuma dessas opções iria resolver as coisas para mim. Talvez resolva para outras pessoas e elas consigam se acomodar com a primeira opção que apareça. Se não tem tu, vai tu mesmo. Mas para mim nunca vai resolver. Se eu tomei as decisões erradas? Não vou saber. Foram as decisões que eu tomei.


Então eu resolvi seguir minha vida. Ir para a aula de ballet. Trabalhar, ver meus amigos. Coisas de gente normal. Cheguei feliz na academia semana passada, para fazer todos os exames ergométricos. Estica para ver a flexibilidade. Boa. Flexão no chão. Circunferência abdominal. A coluna um pouco torta. Então o médico me pergunta, “Você está com 35 anos, é isso?”. É isso aí! 35 anos. “E pretende ter filhos?” (Peraí, com quem você andou falando?) Respondi sim. Respondi meio como quem não quer responder, porque tem vergonha da resposta que pode dar. “Entendo. Então eu aconselharia a senhora a fazer um exame de triagem ovular... para verificar se os seus ovários ainda estão produzindo.” (Cuma???) “Dependendo do resultado, a senhora pode considerar congelar seus óvulos.” Bang! Como toda boa série, sempre uma virada no terceiro ato. Peguei a guia do exame, saí atordoada para o ballet. Existe aquele dia que você acorda e as pessoas te perguntam se você não quer congelar seus óvulos. Assim. Tão rápido. Outro dia mesmo me diziam que eu era jovem, e tinha tanto tempo, e que podia fazer tantas coisas. Quando foi mesmo que isso aconteceu?


Agora o episódio acaba. O som da contagem segue, e o relógio fecha a hora. Será que eu devia congelar meus óvulos? Parece tanta estupidez! Mas será que essa também não pode ser uma decisão errada que eu estou tomando agora... e que eu me arrependa quando não houver mais nada que eu possa fazer?

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A LA EUROPÉEN


Faz um ano que eu voltei da minha jornada a todos os lugares (e a lugar nenhum), e mesmo considerando que pouco tempo depois teve a Guatemala porque eu não estava sabendo voltar direito, e eu realmente só sinta que tenha voltado a partir de fevereiro, é meio inevitável não pensar e refletir nesse meu trajeto de volta para casa. Nas coisas que eu fiz durante esse ano. Em como eu tenho reconstruído minha vida.


Se secretamente eu tenha a sensação de estar tomando (e de ter tomado) muitas decisões erradas, isso é algo totalmente subjetivo que pode ser questionado (e, vamos combinar, eu costumo mudar minhas opiniões com a cara de pau de um político em campanha). Mas uma coisa que venho me questionando, e de fato tem me incomodado muito, é a pergunta que fiz no meu último post. Quando foi que a vida ficou tão complicada?


Sou da opinião que a vida não é complicada. Quem complica somos nós. É pessoal e intransferível. Então tenho me questionado isso. Quando foi que EU deixei a vida tão complicada? Há um ano atrás tudo o que eu tinha era um punhado de roupas encaixotadas (que fui descobrir mais tarde que metade não me serviam mais), e um outro tanto de livros. Era só. Passei um ano da minha vida carregando 17Kg em uma mochila em que se resumia tudo o que eu precisava. Até que era muito e por diversas vezes fiz rapas homéricos. Calças, blusas, livros, cremes. Existem partes de mim espalhadas numa pá de hostels europeus. Agora me explica, como foi que em tão pouco tempo eu consegui terminar com uma agenda lotada e sacrificante, sete débitos automáticos diferentes, despertado, 2 suplementos vitamínicos, dois cartões de crédito, um carro, uma bicicleta procrastinada, um curso, um MBA, uma empresa, um sócio, uma assistente, uma faxineira, oito clientes, alguns amigos (na maioria com contatos estritamente virtuais) e nenhum namorado. Me explica! Como pode 17Kg se transformarem em tudo isso tão rápido. O que eu concluí é que eu me deixei contaminar por tudo aquilo que eu fugi quando eu resolvi ir. Então eu comecei um movimento de simplificar minha vida. De abrir mão de alguns luxos e serviços que nós temos como essenciais aqui no Brasil. Resolvi fazer uma rapa e largar um monte de coisa no armário do hostel.


Agora eu estou levando uma vida mais à européia. Onde as responsabilidades pelo meu padrão de vida estão mais relacionadas às coisas que eu faço do que às pessoas que eu contrato. Primeira coisa que eu fiz foi suspender a faxineira. Luxo. Luxo, sim senhora. Elas são maravilhosas, é verdade, mas é um luxo contratar alguém para limpar sua casa. Coisa típica de país de primeiro mundo. Meus amigos europeus arregaçam a manga e passam seu próprio aspirador de pó. Acho bem honrado. Lógico que isso não quer dizer que minha casa vai ficar aquele “primor de limpeza” europeu. Afinal mora uma Monica Geller dentro de mim. Então eu tenho me divertido em limpar minha casa semanalmente, lavar roupas. Lavar a louça que sempre foi uma tortura chinesa, acabou virando um hábito. Passar roupas apenas que era um grande problema. Nunca sabia como fazer nem por onde começar. Agora aprendi. Ligo a TV no horário da minha série favorita, coloca a tábua em frente e mando bala. Outra coisa milagrosa que eu descobri foi o “ferro a vapor”. Invenção de gênio!!! Já viram um desses? Sério! Isso precisa ser divulgado em larga escala, devia receber incentivos fiscais do governo. Eu defendo o direito de toda dona de casa ter um ferro a vapor! Acredite em mim. Faz toda a diferença, principalmente com camisas (mesma com as de algodão egípicio tão fáceis de passar).


Outra coisa que eu fiz (mas já desisti) foi começar a cozinhar mais em casa. Mas daí existe um problema técnico da completa imperícia da cozinheira aqui. Depois de destruir diversos ingredientes maravilhosos, promover um descarte de comida que fariam ativistas africanos se contorcerem e minha professora de catecismo me garantir o inferno, resolvi que é muito mais prático manter opções básicas de lanche na geladeira e comer em pequenos restaurantes caseiros. Como fazem tantos europeus. Só não consigo abrir mão de uma das refeições principais como tantos deles.


No quesito locomoção estou fazendo uma coisa inédita para mim em São Paulo, mas que fazia tanto em todas as cidades que passei. Tenho usado transporte público sempre que posso. Vou te contar! O metrô de São Paulo é fantástico! Estou adorando essa nova linha amarela. Acho confortável, rápido. Comprei até um Bilhete Único. Me sinto européia de verdade quando uso, ainda mais porque não acho que o valor do transporte público seja muito acessível para a realidade brasileira. Assim como o valor do transporte público europeu. Rá! Verdade que falta ainda muita estrutura (e eu vou começar uma campanha por uma Estação Benedito Calixto em breve), mas é uma sensação muito boa a de usufruir de algo que é feito para o coletivo e pensar que estou fazendo minha locomoção mais sustentável. Sei lá, não é grande coisa. Mas é alguma coisa.


Também cancelei a assinatura do jornal. Vamos combinar que quase nunca tenho tempo de ler o jornal. Daí rola uma culpa quando não leio... Então ficou assim. Dia que deu vontade de ler, levanta a bunda e atravessa a rua para comprar na banca. Ponto.


Ainda tenho bastante coisa para transformar, é verdade. Preciso aprender a vencer meu recente vício virtual e encontrar mais pessoas de carne e osso. Preciso me concentrar mais na meditação, controlar mais meu temperamento, parar de estourar com tudo e todos, aproveitar mais os eventos culturais da cidade, aproveitar mais as áreas públicas da cidade. E juro que ainda esse ano faço um picnic no parque. Mesmo que todo mundo me olhe como se eu fosse farofeira. O dia que você sente taquicardia porque discutiu com o técnico da TV a cabo, e não se conforma que por causa dele não conseguiu gravar a estréia da nova temporada de uma série de TV machista e sexista, é porque você deu prioridade para coisas que pesam muito na mochila. O segredo, amiguinho, é manter a mochila leve. Com a mochila pesada, você não consegue sair da estação. Meio européia, meio paulistana, meio brasileira... não importa. O segredo é manter a mochila leve.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O NOME DISSO É STRESS?

Acho que nasci para ser primeira dama. Nasci para ser dondoca. Tô falando. Não tenho vontade de ser outra coisa não. Eu gosto da minha vida. Não que eu não goste do meu trabalho. Eu gosto. Gosto quando as coisas dão certo, gosto da sensação de cumprir dever. Eu só não gosto de todo o compromisso. Mas antes que isso soe como se eu fosse uma irresponsável, não é o compromisso pelo compromisso. Acho que é mais pela quantidade de compromissos. Tenho trabalhado tanto que parece que a sensação de água batendo na bunda nunca passa. Estou sempre enforcada, sempre com prazos estourando, sempre com pilhas de pendências. Eu me sinto culpada de parar para ir à yoga, culpada de almoçar sem estar em frente do computador dando refresh nas páginas de 5 em 5 segundos. Então ontem minha mãe precisou fazer uma cirurgia de emergência. Um procedimento simples que precisava de alguém para acompanhar. Eu me senti culpada de estar lá com ela e não trabalhando. Chega a ser insano, eu sei. No final acabei ficando mal-humorada, e atirando patadas para quem estava em volta (inclusive ela na cama do hospital). Como se fosse culpa de alguém eu estar sobrecarregada. Eu acordo me sentindo tão culpada que, se eu não puxar o computador e não começar a trabalhar assim que o despertador toca de manhã, eu tenho a sensação de que vou perder todos meus clientes, vão me demitir, cancelar contratos, e eu não vou ter como pagar as minhas contas, que não são poucas, já que eu faço tanta questão de um mínimo padrão de vida. Quando foi que a vida ficou tão complicada, hein? Hoje, voltando do hospital, passei na Galeria dos Pães e me permitir ser como uma dessas pessoas que voltam para casa e não fazem nada. Que podem simplesmente passar o resto do dia sem a sensação iminente de que algo muito catastrófico vai acontecer se você não trabalhar. Eu comprei pãezinhos, queijos legais para fazer lanche. Fiquei provando todos os patês que o mocinho dos frios me ofereceu e flertei com um senhor de uns 70 anos na fila do atendimento. Depois cheguei em casa, tirei o sapato. Fiz um sanduiche e sentei em frente a TV para comer e assistir besteira. Resolvi que hoje eu não ia checar emails chegando em casa, não ia buscar conteúdo, fazer programação, não ia fazer relatório, ou organizar minha mesa. Eu não ia despachar, nem revisar texto. Eu não ia trabalhar uma vez que eu tivesse chegado em casa. Foi o que eu fiz... até que o telefone tocou e já me encheram de perguntas, e pedidos de correção, que já me deixaram preocupada e culpada de estar sentada no sofá da minha casa, de calcinha, assistindo os episódios novos de House, comendo sanduiche. Não me lembro se fiz isso alguma vez esse ano. Simplesmente chegar em casa e assistir TV. Sem telefonar, sem ter um computador no colo. Sem fazer uma lista de pendências organizadas por prioridades. Quando foi que a vida ficou tão complicada?

sábado, 5 de novembro de 2011

FORTE

O problema de ser uma mulher forte é que todo mundo sabe que você é forte. Uma vez que você é colocada na categoria “forte”, pronto. Você deve ficar lá bonitinha por um bom, bom tempo. Tem o lado bom, é verdade. Você é quem mantém o controle nas situações. Você agüenta mais as adversidades da vida. Consegue sobreviver melhor aos problemas. A força geralmente vem com resiliência de brinde, então você consegue voltar ao seu estado original com muito mais rapidez e facilidade. Isso é bom. Muito bom. Saber que tudo é uma questão de tempo para ficar tudo bem novamente. O problema é que isso não é uma coisa admirável. Ninguém espera que você aja de maneira diferente. Tipo, segurar a onda, ficar firme, se recuperar milagrosamente. É como uma obrigação. As pessoas ainda ficam revoltadas se você agir diferente. Mostrar fraqueza. Admitir limitações. Existem aqueles que ainda manifestam um silencioso orgulho mórbido de te ver cair. “Ahá, ele está na pior.” Como se fosse sua culpa ser forte. Como se isso fosse algo feito intencionalmente para subjugar outros. O que acontece quando você é uma pessoa forte é que, quando você afunda, afunda sozinha. Com um monte de gente aplaudindo e aproveitando para te empurrar mais fundo. E mesmo sabendo que tudo passa, e eu vou voltar ao meu estado original logo, eu não sou tão resiliente assim. Eu volto, mas sempre fica uma marca. Uma falta de confiança de quem me viu cair e olhou para o outro lado.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

SEGUNDA-FEIRA

Eram 6h e eu taquei minha mão no despertador barulhento que eu comprei na Tok Stock e que é mecânico, então precisa dar corda e fica fazendo tic-tac durante a noite o que acaba me acalmando de uma forma meio antagônica e paradoxal, mas é extremamente eficiente na função de me arrancar do sono profundo (que eu adoro e tenho particularmente precisado nos últimos meses) para pular para o criado-mudo da outra extremidade da cama e puxar o netbook que permanece conectado non-stop e começar a trabalhar, responder emails, pesquisar conteúdo, montar programação. Ontem nós tínhamos lançamento de site novo e por mais que eu tivesse revisado o texto ainda fui encontrar um erro de português depois da publicação; o tipo de coisa que me deixa arrasada! Montei carta de agradecimento para os colaboradores do evento de sábado, coordenei anúncio que deve sair essa semana, embora eu tenha certeza absoluta de que vai dar problemas. Esses anúncios sempre dão problema. Tão mais fácil lidar com máquinas do que com pessoas. Coloquei os lençóis para lavar. Peguei a “To Do List” e fui ticando cada item. Relatório de resultados de anúncio do Facebook para um cliente que resolveu simplesmente ignorar nossos emails na última semana. Pesquisa de produtos e opções de brindes para apresentar em uma reunião ao meio-dia. Pendurei os lençóis no varal. Terrorismo com o representante da empresa que vai refazer a fachada de um cliente, e suporte virtual para organização de um banco de dados. Conference Call Ajax com o Ozzie, só para ter certeza de que a gente está ferrado mesmo e não estamos esquecendo de nada. Resolvemos mudar completamente a estratégia de ação de um parceiro que não estava apresentando resultados. Resposta de SAC na Fan Page de um cliente, e passo 15 minutos tentando organizar minha inbox que está uma zona antes que eu comece a perder mensagens. Mensagens do MBA atrasadas, chat com colega de grupo para coordenar a entrega do trabalho que tínhamos para ontem. Desço para a cozinha, pego uma tigela de macarrão integral com legumes e trago para comer em frente ao computador. Comecei a estruturar a personalidade da marca de um novo cliente, mas tive que interromper porque o representante da empresa de sinalização chega no meu cliente e eu saio correndo deixando o macarrão no finzinho na mesa do escritório. O terrorismo funcionou. Reunião no pet shop sobre opções de fachada, discussão sobre orçamentos e formas de pagamento. Alteração na arte. Mando email para o Ozzie. Adianto consulta para orçamento de fachada de outro cliente, tomamos café morno. Damos risada. O representante vai embora. Reunião com cliente, apresento opções de brindes. Um cachorro lambe meus dedos do pé na sandália e outro late o tempo todo para minha garrafinha de água mineral. Tenho ataque de alergia. Procuro Claritin na bolsa. É o último. Então sentamos no computador. Configuro novo email do cliente. Fazemos testes com o email marketing do novo site. Tudo ok! Dou beijinhos, vou embora, e fico pensando em comprar um cachorro. Mas antes em agendar uma consulta para resolver a alergia. Chego atrasada ao shopping para fazer a unha, mas como é segunda elas ainda me atendem. Faço mão e pé em 30 minutos. Adoro essa manicure de shopping. Cochilo durante a sessão. Jogo paciência porque meu celular não pega no subsolo. Resolvo visitar a academia nova que abriram. Falo para a menina da recepção “Consegue me mostrar a academia em 10 minutos”? Ela consegue. Me apaixono pela academia. Volto para casa sonhadora e cantando no carro, imaginando como usufruir da academia na minha rotina. Lavo louça. Preparo um lanche com bisnaguinha, fruta e suco; levo tudo para o escritório. Tento terminar a programação de hoje, faço follow up nos perfis dos clientes. Continuo organizando a pesonalidade de marca do novo cliente. Chat com a nova cliente. Chat simultâneo com a outra cliente que não consegue resolver o banco de dados. Pego as senhas e re-importo o banco de dados. Envio email marketing. Repasso relatório de envio com lista dos contatos com problemas para revisão. Retorno para chat com novo cliente. Ela me apresenta indicação para mais um cliente. Não sei se rio ou choro. Minha assistente do colégio me manda relatório. Coordeno fechamento de logo e cartão de outro cliente com Ozzie. Preparo CD com trabalho do MBA para entregar na GV. Descubro que não deu tempo para ir nem na academia do prédio. Tomo banho correndo e saio para a aula. Subo para o metrô a pé conversando com a Y no telefone. Ela desliga na catraca e passo a viagem tentando cadastrar meu cardápio do dia no aplicativo de dieta do meu Iphone. Chego na Estação Brigadeiro e está chovendo. Saio correndo pela calçada e quase sou atropelada por um Corsa saindo da garagem. Chego atrasada na aula e era prova. Eu tinha esquecido. Sento perto do meu grupo. São 5 questões e tenho branco completo em duas. Encho linguiça em uma, e peço uma dica soprada sobre a outra para meu colega de grupo. Entrego a prova. Reunião rápida de grupo para aprovar o trabalho que tínhamos que entregar. O resto da sala brinca que precisamos pegar leve porque nossos trabalhos estão elevando demais o nível de expectativas dos professores. Fico pimpona! Passo na secretaria e protocolo o trabalho. Saio da GV feliz que tenho mais tempo para trabalhar, passo na banca de jornais e compro a Vogue. Entro no metrô e quando estou na plataforma meu celular toca. É a produtora de uma série querendo que eu filme essa semana. Dou graças à Deus que consegui fazer as unhas hoje. Tento ler a Vogue no metrô. Desembarco na Estação Clínicas meio irritada com as pessoas fumando na minha frente. Passo no supermercado para comprar leite. Chego em casa e finalmente janto. Tiro os lençóis do varal porque estão secos. Leio o roteiro do episódio da série que devo filmar, minha personagem é mãe de um adolescente. O Briefing pede uma mulher de 48 anos. Fico deprimida. Separo roupas para levar de opção de figurino na reunião de hoje. Nenhuma calça mais me serve e as saias nem entram. Fico mais deprimida. Tenho vontade de chorar. Vou ao banheiro e passo todos os cremes anti-rugas e com ácido que eu tenho. Sento na cama e escrevo post para blog de cliente. Faço programação de conteúdo de dois dias enquanto assisto ao Jornal da Globo e fico irritada com o Jô. Entro no site da Corpore, faço inscrição para a corrida McDonalds. Olho para o “Ulisses” no criado-mudo e resolvo dormir. Dou corda no relógio, a semana mal começou.



E tem gente que ainda acha que eu não faço nada da vida.

domingo, 16 de outubro de 2011

UMA REFLEXÃO SOBRE O SENTIDO DA FRUSTRAÇÃO

No começo do ano eu vi essa belezinha no site da FAO.

Na época estava esgotada, então eu coloquei na minha lista de desejos e fiquei aguardando entrar em estoque. Essa semana recebi um email avisando que meu recente objeto de desejo estava disponível. Corri para o site, preenchi o cadastro, cliquei em "BUY". E descobri que era impossível entrar com um endereço de entrega fora dos USA. Hum. Poxa! Se a BH entrega no Brasil (embora os custos de impostos e remessa não compensem), porque não a FAO? Não satisfeita enviei um email questinoando as políticas de remessa da loja. Eis a resposta que recebi:

Dear Adriana,

Thank you for contacting FAO.com regarding our ability to ship internationally to Brazil. At the present time, we only have the ability to ship to the contiguous United States, Alaska, Hawaii, U.S.
Territories (including Puerto Rico and the U.S. Virgin Islands), and APO/FPO addresses. I understand how this may be frustrating and apologize for any trouble this may cause.

However, our flagship FAO Schwarz store located on 5th Avenue in New York City has the capability to assist you further with order placement for the bike, or additional questions on international issues. Please contact them directly at 212-644-9400 during the following days and times. When making your call, please choose the "Customer Service" option.
Sunday 10:00 AM - 7:00 PM EST
Monday - Thursday 9:30 AM - 7:00 PM EST
Friday & Saturday 9:30 AM - 8:00 PM EST
 
Thank you again for contacting FAO.com. We appreciate your interest and look forward to serving you in the future.
Sincerely,

Lori Marshall
Guest Assistance Specialist Team

O que eu posso responder para a Sra. Marshall? Que ela não faz a mínima ideia do que é frustração? Estamos falando de uma Schwinn cor-de-rosa, por Deus! Detalhe: à módica quantia de $150!!! Eu confesso que foi muito reconfortante ler as palavras "understand" e "frustrating" na mesma sentença. Embora isso não resolva em nada o fato de que não consigo resolver a logística de comprar essa bicicleta e tê-la na garagem do meu prédio em Pinheiros em um futuro próximo. Ou que na verdade eu ter ou não essa bicicleta não mudaria em nada minha vida. Frustração está sempre relacionada à expectativa. Zero expectativa, zero frustração. Simples assim. Mas a pessoa que descobrir uma maneira simples e rápida de não criar expectativas com nada, pode fundar uma seita que eu me filio. Vai virar guru na internet, e eu vou dar RT em tudo o que a pessoa tuitar! A verdade é que não acredito que possamos ser humanos sem ter ao menos o mínimo de expectativa. Enquanto tivemos a vivência da experiência humana, a dependência da mente como a temos hoje, sempre teremos expectativas. A menos que sejamos autistas. Frustração é tão somente nossa incapacidade de aceitar as coisas da maneira que elas se apresentam na realidade. Nós sempre atribuímos uma carga gigantesca de fantasias e percepções, alteradas por emoções, julgamentos e reflexões subjetivas. E quem podemos culpar por tudo isso se não a nós mesmos? Nos relacionamentos estamos tão condicionados às expectativas das pessoas que já consideramos as possíveis frustrações. Quando desmarcamos um jantar, quando ficamos presos em algum compromisso, quando deixamos de telefonar. Todas as vezes que pedimos desculpas. A frustração é considerada até em mensagens pré-formatadas de atendimento ao cliente. A mente se sente confortável de ter sua frustração considerada. É um grande afago ao ego. Por isso até começamos a agregar milhões de micro-ações em nosso dia para tentar afagar os egos e expectativas que brotam como ervas daninhas. Um dia você acorda e tudo o que sua vida se reduz é gerenciar egos inflados de expectativas. Inclusive o seu. A verdade é que a única pessoa que pode te magoar é você mesmo. Se as pessoas pisam em ovos, ou seguem protocolos de condutas por causa de expectativas e frustrações é uma opção única de cada um. Ignorar as expectativas criadas subjetivamente pelas pessoas pode não ser uma medida popular, mas com certeza será muito benéfica para todos nós como sociedade a longo prazo. Em outras palavras, vamos parar com a viadagem! As coisas são como são, as pessoas são como são. É bem melhor assumir a realidade com suas limitações do que tentar sustentar uma ilusão que prolongue e alimente a frustração iminente. Bicicletas cor-de-rosa por $150 não são vendidas para o Brasil. E não tem nada de frustrante nisso. Então, Sra. Marshall, eu agradeço seu esforço em dar Ctrl C + Ctrl V, inserir meu nome na mensagem e apertar send; mas o dia em que minha incompreensão das regras tributárias internacionais me fizerem sentir frustrada, eu tenho problemas muito maiores do que a ausência de uma bicicleta cor-de-rosa na garagem da minha casa. Mesmo sendo uma Schwinn de $150.

sábado, 15 de outubro de 2011

INVEJA É UM PRATO QUE SE COME QUENTE

Eu não sei se antigamente as pessoas eram tão invejosas e agressivas comigo, ou eu passei a enxergar melhor isso. Sexta-feira, no meio de uma discussão surreal de trabalho, com uma maluca colocando o dedo na minha cara e gritando sem que eu nem conseguisse perguntar exatamente o que estava acontecendo, eu cheguei a ouvir com todas as letras. “Mas você foi viajar”. Cuma? Desde quando o que eu faço na minha vida privada é da conta de alguém? Lógico que se a minha viagem tivesse afetado minha vida profissional de alguma forma, ela teria toda razão. Mas não. Não deixei de trabalhar, não deixei de cumprir nenhum compromisso. Me mantive o tempo todo conectada e com o telefone ligado. Não deixei de responder nenhum email ou ligação. Aliás, nem sei como ela sabia que eu estive viajando, sendo que em nada afetou a rotina dela. A única coisa que eu consegui responder foi “Ah, então é isso. Entendi!”. Eu nem acho que minha vida é muito interessante. Passo quase o tempo todo dentro de casa trabalhando. Tento fazer minhas viagenzinhas de vez em quando. Tento aproveitar um pouco das coisas que gosto. Mas é tudo sempre tão pouco, tão simples. Não tem nada de incrível, de mega especial. Nenhuma paixão avassaladora. Nenhum acontecimento inacreditável. Nunca pensei que minha vida pudesse incomodar tanto as pessoas. Acho que antes eu não percebia e acabei desenvolvendo uma personalidade um pouco agressiva até, porque tomava as bordoadas e me sentia culpada. Hoje essas coisas estão claras como cristal. Me saltam aos olhos. Eu tenho escolhido me afastar. Não existe energia pior ou mais corrosiva do que a inveja. Acredito que conseguir identificar já é uma benção. Eu preciso agora aprender a lidar. A não me deixar abalar. A não permitir que isso me torne ressentida, defensiva ou agressiva. Preciso, mais do que tudo, aprender a me preservar. Não que eu vá deixar de viver alguma coisa da minha vida. Mas evitar que pessoas de alma pequena tenham acesso às minhas emoções. Sempre achei que fosse uma grande qualidade ter emoções tão intensas, sempre tão à flor da pele. Hoje começo a achar que não. Na verdade agradeço a maluca de sexta-feira. Pela oportunidade de eu melhorar e entender melhor quem eu sou e qual é a percepção das pessoas por mim. Eu ainda vou precisar de um outro exercício, o de amar e ser gentil com alguém que me bombardeou com uma negatividade assustadora. Ainda não estou pronta para isso. Não estou com essa força. Então essas pessoas eu tenho mantido à distância. Mas é bom saber que vou ter essa oportunidade, quando sentir que o momento é válido.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

IMACULADA

Eu adoro aquele filme canadense “As Invasões Bárbaras”. Tem uma cena em que o personagem de Rémy Girard está na cama do hospital e diz que o maior genocídio que a humanidade já presenciou foi o assassinato em massa dos índios nativos americanos pelos espanhóis e portugueses, e mesmo assim não havia um Museu para manter a memória. Sempre que se fala em genocídio a gente lembra do holocausto da II Guerra Mundial. Durante um tempo, quando eu era mais nova, eu acreditava que o grande culto à memória do holocausto iria nos livrar de vermos algo parecido novamente. Assim ficava mais fácil entender que barbáries como o genocídio dos indígenas norte-americanos, o genocídio Boer feito pelos ingleses contra as pessoas de origem holandesa, o genocídio dos armênios pelos turcos, o genocídio filipino pelos EUA, e o maior de todos, citado pelo filme, o genocídio dos índios nativos americanos pelos espanhóis e portugueses. Todos eles aconteceram antes da II Guerra Mundial. Mas então a gente pára para estudar um pouco a História e descobre que pouco tempo depois do final da II Guerra, quando o mundo ainda descobria a frieza nazista em exterminar judeus, ciganos, comunistas, gays, deficientes mentais e físicos; a China iniciava um genocídio no Tibet. Então tivemos o genocídio do população maya na Guatemala e o genocídio no Cambodja nos anos 70, o genocídio dos curdos por Saddam Hussein no Iraque, o genocídio feito pela Utase croata, o genocídio na Chechênia, o da Bósnia. Em 1994 aconteceu o genocídio que talvez tenha mais me chocado. O genocídio do povo tutsi, feito pela etnia hutu em Ruanda. Lembro que na época as notícias eram meio nebulosas. Eu lia o jornal, mas nunca tive uma real dimensão do que estava acontecendo ali. Só fui entender exatamente o que tinha acontecido em Ruanda quando vi um outro filme, “Hotel Ruanda”. Então a sensação de fragilidade da nossa condição humana nunca se tornou tão evidente. Não acho que seja o caso de comparar desgraças, ou uma competição para ver quem teve o pior massacre, mas se 6 milhões de judeus foram assassinados em 6 anos de holocausto, Ruanda produziu o assombroso número de 1 milhão de tutsis assassinados em 3 meses!!! Detalhe: não havia assassinato em massa com câmaras de gás ou fornos de cremação. Os tutsis foram mortos na mão, um a um. As pessoas eram mortas a facão, como animais, com sangue espirrando e gritos e choros. Seus corpos eram jogados para os cães comerem. Em 3 meses os hutus quase exterminaram uma etnia. E na ocasião, as Nações Unidas virou as costas, se retirou do país e permitiu que a barbárie acontecesse. Hoje penso que o extremo culto ao holocausto permite que viremos as costas para coisas assim. Nossa “certeza” de que nunca mais veremos algo como o que ocorreu em campos de concentração, faz com que ignoremos a ferocidade e o impacto do que acontece embaixo do nosso nariz. Ontem eu fui assistir à palestra da Immaculée Ilibagiza. Ela é uma tutsi e escreveu um livro chamado “Sobrevivi para contar”. Durante os 3 meses que seu país vivia um dos maiores banhos de sangue já visto, ela teve a sorte de conseguir se esconder junto a mais 8 mulheres em um banheiro de 1x1,5m na casa de um estranho hutu que se propôs a ajudá-las. Quando foi libertada descobriu que toda sua família (Toda! Pai, mãe, irmão, avós, tios, primos... Todos!) e todas as pessoas que conhecia, haviam sido assassinadas. Todos estavam mortos e ela era a única sobrevivente de seu círculo social. Eu não sei quanto a você, mas eu já sou revoltada sem ter passado por nada tão cruel. Imagino que revoltada seria pouco para alguém que se encontrava na posição dela. Ela, porém rezou. Rezou para ser capaz de perdoar e amar aqueles que fizeram aquilo. Ela conseguiu. Ontem, no palco estava uma mulher bonita, alegre, extremamente iluminada. Cheia de uma vitalidade contagiante. Difícil imaginar que aquela mesma pessoa tenha vivido tanto terror. Ela falou com ternura, com humor e conseguiu dar leveza a um acontecimento que não pode ser explicado. Eu me pergunto, como é possível sobreviver a tanto terror? Como é possível se curar de uma marca como essa? Acho que algumas pessoas são mais iluminadas do que as outras. E a maioria de nós precisa fazer muito mais esforço para chegar lá. Só uma coisa eu acredito que seja comum, e universal. A capacidade de amor. Acho que se todo mundo for capaz de amar seus inimigos da mesma forma que aquela mulher amou os seus, o mundo se transformaria maravilhosamente em um piscar de olhos. O que nos salva como humanos é nossa capacidade de amar, incondicionalmente. Porque vamos viver muitos outros momentos em que assistiremos a humanidade agindo como animais. Algumas barbáries terão suas memórias mais cultuadas do que outras. Mas elas não deixarão de acontecer. Se não formos capazes de amar uns aos outros, a experiência humana está condenada. Na platéia lotada do TUCA, eu arrumei 30cm no corredor para sentar, coloquei minha bolsa entre as pernas e passei o tempo da palestra lutando contra o incômodo e a dor de não poder esticar minhas pernas ou mesmo me mover muito sem correr o risco de dar uma cotovelada em alguém. Por vezes olhava brava para quem deixava o celular tocar, ou resolvesse se levantar no meio da palestra empurrando ombros e pisando em pés e mãos de quem estava sentada no chão. Difícil amar quando estamos em uma posição desconfortável. Só por isso tenho tanta certeza que ainda viveremos muitos episódios bárbaros de intolerância. Tirar essas manchas da alma é mais difícil do que passar por elas. Ironicamente aquela mulher tem o nome que tem. Pensar que ela foi capaz de permanecer imaculada, de perdoar e amar, me dá certeza de que todos nós somos também. Entre cultuar a memória do terror e da barbárie, eu escolho cultuar a memória do amor.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

DIA UM

Primeiro dia. Eu revendo meu estilo de vida. Ando apaixonada pelo vegetarianismo. De novo. Estou com medo de virar aquelas pessoas chatas que ficam dando dados científicos para validar uma opção de vida. É que eu ainda estou chocada com a quantidade de água que é necessária para produzir 1Kg de carne.(Você sabia que são necessários 15,5 mil litros de água para produzir 1Kg de carne??? 15,5 MIL!!!!!!) Então fico contando para todo mundo. Não que vá mudar alguma coisa. As pessoas tomam decisões em suas vidas e nunca tem nada a ver com a gente. O resto é só egocentrismo. Excesso de importância em mim mesma. Eu fico me namorando vegetariana. Fazendo bagunça na cozinha para cozinhar proteína de soja texturizada. Gosto de fazer isso. Gosto da ideia de ter optado por algo na minha vida. Escolher por mim mesma. Eu também acho que a minha vida foi ficando dependente de muita coisa supérflua. Como eu consegui isso? Há um ano atrás tudo o que eu tinha cabia em uma mochila e eu mal parava quieta em um lugar. De repente tanta coisa virou imprescindível e eu não me mexo há muito tempo. Ando com um orçamento bem cheio de luxos. Resolvi experimentar ficar um pouco mais simples. Acabei sem filmes na TV à cabo, sem o jornal diário. Desculpa para eu comprar na banca do outro lado da rua sempre que eu realmente quiser ler o jornal. Olhei as faturas dos meus dois cartões de crédito. Com muito cuidado. Preciso diminuir o custo-Adriana mensal. Simplesmente porque não é saudável. De manhã tive uma epifania durante a meditação. Fui invadida por uma emoção linda, sem controle. Um amor desmedido por tudo o que me cercava. Chorei. Quase sem sentir o choro. Chorei porque era a emoção que vazava. Foi tão bom senti-la transbordar. Depois pensei em trancar meu MBA. Estou adorando o curso, me divertindo, conhecendo gente nova. Mas ainda não enxerguei o propósito. Eu não me enxergo enviando meu currículo para alguma seleção, trabalhando das 9h às 18h em algum nicho de fórmica, descendo para almoçar às 12h30, com férias, décimo terceiro e amigo secreto da firma na pizzaria. Ninguém faz um MBA para pendurar na parede. Não sei muito bem porque estou fazendo isso. Na verdade não me incomodo tanto de fazer o curso. A única coisa que me incomoda é o tempo. É saber que estou me dedicando a tantas coisas e no final do dia... Não escrevi nem uma linha. Nem algo rapidinho. Também não abri o arquivo. Nem para dar uma lida. Mas tudo bem. Esse é apenas o primeiro dia.

domingo, 9 de outubro de 2011

MAIS ESTRANHO DO QUE A FICÇÃO

Já pensaram em quanto tempo passamos tentando ser alguma coisa? Tentando encaixar, fazer parte. Tentando sermos amados. Ou sou só eu?


Acho que é a pior conseqüência de não ter certezas. Tentamos nos agarrar naquelas que a vida parece ter. Aprendemos tantas coisas. Testamos tantas outras. Depois de um tempo nosso dia começa e termina, e já não temos muita ideia do que estamos fazendo entre uma coisa e outra. Lutamos por coisas que não queremos realmente ter. Nos magoamos com situações que não gostaríamos necessariamente de estar. Nos agarramos a relacionamentos que não fazem nossos corações pularem, ou o friozinho na barriga acontecer. É tão fácil nos perder de nós mesmos. Eu acordei hoje sem o despertador. Um luxo na minha rotina atual. Levantei às 9h, passei arrumando tudo o que eu via na frente até deixar meu quarto impecável. Tomei banho, hidratei o cabelo. Então eu desci, deixei a cozinha impecável. Fiz um brunch reforçado com direito a torradas, salada de frutas, ovo quente, café espresso e uma taça de mimosa. Porque todo mundo sabe que um brunch só é caracterizado brunch quando há champagne envolvido de alguma forma. Li o jornal. Meditei. Agora pensando, eu não consigo dizer o que eu fiz porque sou eu, ou porque me agarrei à certeza que me convencionou. O café, a champagne e a meditação eu gosto. São coisas que me completam de alguma forma irracional Mas não tenho certeza se gosto de ler o jornal de manhã. Não tenho certeza se gosto de torrada integral ou se só como isso porque minha percepção do tamanho da minha bunda é de que ela está grande demais. Não sei o que na verdade me move. Nunca mais tive aquela vontade incontrolável de algo. Aquela ânsia de realizar algo. Nunca mais me apaixonei. E eu quero tanto me apaixonar que saí me agarrando a milhões de coisas. Entupi meu tempo de tudo quanto é coisa possível e imaginável. Cursos, trabalho, compromissos. Hoje no final do dia eu estava fumando um cigarro, que eu não sei se eu queria fumar, na varanda de casa. E me ocorreu. Eu estou usando todo o tempo da minha vida e em nenhum minuto eu escrevo para mim. Eu não escrevo aqui. Eu não escrevo as histórias que estão me angustiando. Talvez porque quando a gente falha nas certezas da vida é mais fácil ter apoio do mundo. Quando a gente falha nas certezas que são nossas, temos a sensação de que não nos sobra mais nada. Então procrastinamos sem realizar o que nos é caro para não correr o risco do fracasso. É preciso coragem para fazer o que se ama. Mais coragem ainda para se fazer coisas com paixão. Hoje eu parei na varanda de casa com a ideia estúpida de que eu precisava casar, ter uma família ou um cachorro. Que era a única coisa que me faltava. Porque a convenção de felicidade inclui determinadas coisas para pessoas da minha idade. Então eu descobri que não me falta tanta coisa assim. Apenas uma. Não o cachorro ou o companheiro. Mas a escrita. Aquela que é minha, não dos outros. Aquela que não tem ninguém esperando para ler. Aquela que não está programada. Era a capacidade de me perder de mim mesma no teclado do computador. De criar as frases e me perder por horas tentando achar a palavra certa. Esquecer da vida, da comida, dos horários e fazer algo que realmente me satisfaz. Não se pode amar sem viver amor. Eu faço muitas coisas. Em algumas sou boa. Muito poucas eu amo. Eu escrevo, mesmo quando não escrevo. E eu escrevo sobre amor. De uma forma metalingüística, praticamente. Hora de fazer.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

CERTEZA

Sabe quando a gente começa a ter certezas na vida? Quando eliminamos o que não queremos. Um exemplo. Você abre um cardápio e não sabe o que quer comer. Você gosta do salmão, mas a massa parece apetitosa. Salada é saudável, o frango da mesa ao lado está cheirando até você e o molho da carne parece divino. Então você elimina a salada, porque está frio e você quer algo quente. Você elimina as massas, porque está afim de manter o peso. Elimina a carne vermelha, porque cortou da dieta. Elimina o frango, porque leu uma pesquisa sobre a quantidade de hormônios. Então você decide pelo peixe. Porque no final do dia nós só temos certeza mesmo de algo, quando temos certeza do que não queremos. Acredito que mais do que saber o que se quer é importante saber o que não se quer. E eu. Eu não quero ficar com mais ninguém. Todo o resto eu não sei. Não sei o que quero do futuro. Não enxergo um palmo a frente. Não sei se quero mesmo casar, ter filhos. Não sei onde quero morar, o que quero fazer. Não sei de nada disso. Mas se me perguntarem hoje com quem eu quero ficar, isso eu sei. Não que eu saiba, na verdade. Só que eu sei que não há mais ninguém com quem eu queira ficar. Eu identifiquei o que eu não quero. E isso para mim é certeza suficiente. Ou não. Porque não muda nada na minha vida. Porque não muda nada na decisão dele. Talvez eu devesse cortar. Eu sei que racionalmente eu deveria cortar. Focar minha energia em coisas que são reais para mim. Mas para isso eu não estou pronta. Eu não quero. Eu gosto dele na minha vida. Eu gosto dele. Então não estou mais confusa. Não porque eu tenha encontrado todas as respostas e soluções. Mas só porque eu sei quem eu não quero que saia da minha vida. E eu vou agüentar enquanto eu suportar a dor.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

CONFUSA

Eu fiquei mais velha e tanta coisa aconteceu em quinze dias que eu já nem me lembro como era quando eu tinha 34 anos. Antes eu costumava ficar angustiada quando a vida me confundia. Hoje eu estou apenas aceitando estar confusa. E confusa é o único adjetivo que eu posso carregar agora. Estou confusa. Muito. Meu Dutch Prince se foi. Voltou para seu país que é tão longe e frio. E faz com que nossos horários sejam descasados, e o tempo não adequado. Deixa tudo tão difícil. Eu não consigo enxergar nem uma semana a frente dessa história. Só enxergo o hoje que é cheio de saudades e uma tristeza fina, feito garoa. Como se não fosse confusão o suficiente, e quinze dias dizem que não é nada, ainda assim é tempo da vida pregar peças. Colocar de volta, no centro das atenções, o primeiro amor que tive na vida. Coisa de novela, de filme de sessão da tarde. Pensar que às vezes demora 10 anos para a gente ouvir tudo o que queria ter ouvido de uma pessoa. Eu sou o tipo de pessoa que precisa ouvir. Ouvir com todas as letras, com cada sílaba. Ouvir “eu te quero”, porque só quando é dito isso eu tenho condições de saber se eu também quero de volta. É assim. Meu coração em migalhas, sem saber para onde ir. Ainda assim, totalmente sozinho. Tanto se tem que nada se tem. Ando pensando em ficar sozinha. Estou cansada. Meu coração está cansado. Cansado de gostar, de amar, de se apaixonar, de esperar. Cansada de tantos homens e amores. Não consigo ter certeza do que quero. Me dói pensar em uma resposta. Acho mesmo que o que quero é ficar sozinha. Me afundar no trabalho e mais nada. Sem vontade nem de vida pessoal. Fechar ao máximo minhas relações para talvez tudo ficar mais simples, mais acessível. E quem sabe eu resolvo essa confusão. Quem sabe saia dos meus lábios algo mais concreto do que tem saído ultimamente. A mim parece que, a única coisa que sou capaz de dizer é “eu não sei”. E disso eu tenho certeza. Não sei.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

LAST MINUTES

Eu ando com uma ironia muito sutil sobre a vida. Juro que estou brigando com ela. Tem uma pessoa muito querida que me disse essa semana que é “econômica em críticas”. Eu achei tão bonito. Hoje em dia o povo anda vendendo críticas tão baratinho. Parcelinhas Casas Bahia. Eu já estive no saldão, não posso falar nada. A verdade é que é muito mais fácil reclamar do que elogiar. Chega um ponto em que a gente olha para a nós mesmos e nem sabemos como receber elogios. Eu mesma não sei. E fico em pânico de ter de lidar com eles. Medo de decepcionar. Porque quando alguém te elogia, você recebe uma espécie de credencial. Uma responsabilidade pelo critério daquela pessoa, que parou e reparou em você. Para que um dia você vire uma grande decepção. Minha estratégia de vida sempre foi ser uma decepção logo de cara, assim ninguém se decepciona. Eu sempre gostei dos paradoxos. Mas isso é uma grande covardia na verdade. O que eu tenho descoberto nos últimos dias é exatamente isso. No final do dia acho que sou uma bela de uma covarde. Passei a semana com uma vontade de jogar tudo para cima e correr muito longe, que nem conto... Eu vou fugir até quando? Sempre que eu me sinto no foco, no centro das atenções, minha vontade é escapar rapidamente, cortar contato, fugir. Acho que sou uma tímida crônica. Só que ninguém me acredita. Ninguém olha para mim e enxerga minha timidez. Só aumenta minha responsabilidade. Eu espero que seja coisa de inferno astral. Falta de meditação. Stress de trabalho. Estafa pela falta do tempo. Não posso nem reclamar, porque tive um dos melhores infernos astrais de toda minha vida. Tudo o que eu trabalhei e procurei está voltando para mim. Mas diz o ditado, cuidado com o que pede. Porque vem. Então eu pedi e agora preciso receber. Meus últimos minutos com 34 anos estão sendo de uma angústia aguda. Mas depois, eu prometo, vou voltar outra. Mais madura. Com 35. Capaz de olhar toda minha vida, meus limites e minhas fraquezas com muito mais ternura. Que assim seja.



Amanhã ele está chegando. Meu dutch Prince. Vou fazer uma festa para meus amigos mais próximos e para minha família. Estou morrendo de medo de ninguém vir. De eu ficar sozinha com um bolo no colo. Estou morrendo de medo dele chegar e não gostar mais de mim. É o que eu sempre digo. É um mundo repleto de gente carente lá fora. A gente só está buscando amor.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

PROCRASTINAÇÃO

Taí uma palavra que quando eu descobri fiquei toda pimpona. Procrastinação. Acho que poderíamos fundar todo um movimento filosófico baseado nessa palavra. Melhor, no verbo. Procrastinar. O famoso “porque fazer agora o que se pode deixar para amanhã”. Acho que é uma coisa de geração. Minha geração é bem procrastinadora. Deixamos para depois a leitura dos clássicos, a arrumação do armário e a procriação. Então não me sinto culpada de me entregar ao frio e ficar enrolando com um monte de tarefinhas menores, quando eu tenho um texto grande de website para entregar. A procrastinação vem diretamente ligada a um pecado capital. A preguiça. De todos os pecados capitais o meu favorito. Tem a gula e a vaidade que eu adoro também. Mas a preguiça, eu acho que deveria ser institucionalizada. Vou escrever para o Papa. Pedir para ele rever os pecados capitais. Absurdo preguiça ser pecado. Voltando à procrastinação, acho que ela é terrivelmente subestimada. Procrastinação na verdade é uma virtude dos otimistas. Só procrastina quem tem certeza do dia seguinte. Quem sabe que vai ter tempo no futuro para realizar o que não está realizando agora. Quem compra um livro e deixa na estante sabendo que vai ter pelo menos uns dois anos pela frente para então abrir e ler. Quem resolve ficar de pijama, tomando café na cama antes de um dia mega atribulado, sabendo que tem prazo para entregar texto. Quem deixa a conta de luz para ser paga no último dia, em vez de colocar no débito automático ou pagar assim que chega. Quem marca compromisso social em véspera de prova importante. Quem compra presente de Natal na 25 no dia 23 de dezembro. E ovo de Páscoa na Sexta-feira Santa. Isso é de um otimismo sem tamanho! Digno de respeito. Afinal, neguinho tem certeza que vai encontrar o concorrido ovo do Ben 10 intacto naquele túnel do Wal-Mart bem na véspera da Páscoa. Diz! Não dá vontade de aplaudir um cara desses? Brincadeiras a parte, às vezes sinto que é como uma prisão. Estou sempre procrastinando. Sempre deixando para depois. Sempre não realizando. Acho que meu maior desafio de vida, mais do que vencer a preguiça, é vencer a procrastinação. Se a gente pensar direito, procrastinar na verdade é abster-se do agora. É deixar para viver no futuro. E isso é muito triste. Um dos motivos que me fez colocar uma mochila nas costas e ficar quase um ano na estrada era a sensação de que minha vida não estava acontecendo. Talvez porque eu estava deixando tudo para fazer amanhã, depois, quando desse. Não é nem uma questão de preguiça, talvez mais de coragem. Deixar de procrastinar é pegar a vida com as duas mãos e dizer “Vem cá. Você é minha e vai acontecer agora.” Afinal, “agora” é a única certeza que temos. É a única coisa que existe de verdade. Eu tento, eu batalho para vencer isso. Nem sempre eu ganho, mas é assim a vida. A gente continua tentando. Então eu devia chegar aqui como uma procrastinadora anônima. Dizer: Oi meu nome é Adriana, e eu não procrastino há 3 dias. (então todo mundo responde: Oiiiii, Adrianaaaaa!!!). Não existem grupos assim. Procrastinar é uma coisa tão comum, tão enraizada no ser humano. Todos meus amigos fazem, como eu disse, minha geração faz. Então não pode ser errado o que é tão coletivo. Só que eu sou das que acredita que a gente constrói um mundo melhor a partir do indivíduo. Eu melhoro o indivíduo para melhorar o mundo. Sendo assim, eu sou uma procrastinadora. Triste. Em recuperação. Eu vou fazer uma lista das minhas prioridades, vou sentar a bunda no computador e me obrigar a cumpri-las. Um dia de cada vez.


sábado, 20 de agosto de 2011

RECUPERADA

FINALMENTE! Finalmente a novela acabou! Longe de mim ser noveleira. A culpa toda foi da Kika. Ela apareceu aqui uma noite, a gente estava conversando e zapeando a TV, e ela veio com essa de ver a novela. Eu não assisto novela há milênios, mas ela usou argumentos bem contundentes. Que a novela estava boa, que não era tão maniqueísta, que tinha a Glória Pires virando vilã. E o mais contundente dos argumentos: é do Gilberto Braga. Embora novelas sejam consideradas uma forma inferior de literatura, eu aprecio um texto bem escrito e uma trama bem construída. É uma arte escrever novelas. É um estilo particular, e Gilberto Braga é rei nisso. São dele as novelas mais bem escritas da TV brasileira depois da morte da gênia Janete Clair. Eu deixei a Kika colocar na novela e foi um episódio para viciar completamente. Um único episódio. Pior que crack e heroína. Quase não tenho tempo para nada e ainda parava todo dia à noite para assistir a novela. Gravava nos dias de curso da Noemi. E ontem rolou até sessão especial, com direito a pizza e amigos no sofá para descobrir quem matou Norma. Perdi o bolão. Chutei na Jandira. Foi a doidinha da Wanda. Eu bem que gostaria de ser redatora de novela pelo menos uma vez na vida. Deve ser uma coisa de louco. Deve ser uma delícia. Quem sabe eu me empolgue e me inscreva na oficina de redatores da Globo. (Taí uma coisa que eu ia curtir fazer). Por hora eu estou celebrando. O retorno à normalidade das minhas noites da semana. E já mandei o recado ontem. Ai da Kika se me aparecer aqui denovo querendo ver novela!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

CAFÉ NA CAMA


Sabe uma das coisas que eu mais amo? Acordar cedo e ficar de pijama deitada na cama por um tempão. Quando eu falo acordar cedo não estou falando de acordar às 7h da manhã não. Tô falando de acordar às 5h40. Ficar lagartixando até as 6h. Então descer e preparar um café. Mamão papaya com aveia e mel. Pão integral com cottage e aquela geléia francesa sem açúcar que eu adoro. Uma xícara de leite espumado com Nespresso. Yes, nós temos Nespresso. De acordo com o K a Nespresso é uma revolução na arte de levantar da cama de manhã. Um café desses faz você ter vontade de sair debaixo do ededron. Então eu coloco tudo em cima de uma bandeja e subo para o quarto com o jornal do dia embaixo do braço. Puxo o netbook que fica na mesinha de cabeceira para o colo. Vou folheando os cadernos. Tomando meu café. Assistindo o jornal da manhã. Quando dá 8 horas eu já tomei café, li e assisti todas as notícias, respondi emails, organizei agenda. Só então vou tirar o pijama, tomar um banho e sair para a vida. Não é todo dia que dá para fazer isso. Como estou ficando cada dia mais gorda, tem minha corridinha que eu tento privilegiar. Tem dia que tem yoga. E tem dia que eu preciso estar 8 horas em algum lugar, daí o pijama precisa cair fora bem antes. Mas pelo menos uma vez por semana eu tento começar meu dia na cama. Pegar leve. Desfrutar desse prazer. Eu estou recomeçando minha vida do esboço. Voltei para SP esse ano e todo mundo sabe que eu não tenho mais 20 anos. O esforço é maior e o tempo é menor. Se eu não for generosa comigo. Se eu não respeitar meus limites, não tem como sobreviver por muito tempo. Hoje eu ia correr. Levantei às 5h40, fui até o banheiro e senti meu corpo ceder. Olhei para meu rosto no espelho e fiquei com dó. Meus músculos ainda estão doendo da yoga puxada de ontem. Então falei para mim mesma, “Adriana, hoje você merece café na cama.” Afinal, o bom da rotina é poder quebrá-la de leve em dias assim.

domingo, 14 de agosto de 2011

SOBRE A BANALIDADE DA VIDA

Encontrei várias pessoas com quem estudei hoje. Todas em uma festa de escola, com suas famílias, seus filhos e mulheres grávidas. Acho uma coisa muito especial conviver com pessoas que te conheçam desde antes de você virar gente. As conquistas só tomam proporções quando possuem um ponto de comparação. Achei aquelas pessoas muito sortudas. Nós todos crescemos juntos, estudando na mesma escola. E agora os filhos deles estão crescendo juntos, na mesma escola. Eu achei lindo assistir as famílias conversando, interagindo, e fazendo essas coisas que famílias fazem como, consolar criança chorando, carregar a bolsa da esposa, procurar fralda na mala do bebê e fazerem turnos para comer. O pequeno ritual da família de classe média brasileira. Eu passei tantos anos sofrendo lavagem cerebral contra isso. Vendo atores torcerem o nariz para esse padrão burguês de vida, afinal a vida de um artista é tão mais importante e cheia de significado. Só que vida de verdade era aquilo hoje lá. Hoje eu descobri que eu não tenho uma vida tão interessante para contar. De todas as escolhas que eu fiz, não tem muito que faça frente à vida real. Não que eu me arrependa. Não me arrependo. Mesmo porque não faz sentido se arrepender de coisas que não podem ser mudadas. Mas me pareceu superficial olhar para minha vida e pensar em todas as festas que fui, nas centenas de pessoas que conheço e conheci, filmes, peças, trabalhos. Tudo é tão pouco perto de alguém que te conta sobre uma vida de verdade. Uma vida pé no chão. Quando te contam sobre o nome do filho que vai nascer, crença em Papai Noel, escritório novo, construção de casa, o cachorro que o filho pediu e agora só dá trabalho, acidentes na viagem de férias. Então eu ouvi tudo  com certa emoção, mas guardei para mim qualquer acontecimento que eu tenha vivido. Não posso reclamar porque tenho uma vida privilegiada. Conheço pessoas interessantes, já fiz trabalhos muito curiosos. Já apareci na TV, já fiz cinema. Viajei muito, conheci lugares lindos, experimentei comidas das mais bizarras. Fiz esportes extremos, meditei.  Já mudei radicalmente a cor do meu cabelo e aprendi línguas diferentes, em países diferentes. Mas essas são apenas experiências que vão se extinguir comigo. A vida que se constrói é no dia a dia. É cotidiano. Vida é a banalidade medíocre de ser humano. E isso eu acho que perdi. Nós somos levados a acreditar que devemos buscar o extraordinário. O que é incrível. O que é fora do comum. E sim, eles existem. Esses são momentos de benção, de completude. São os picos. Mas durante todo o outro tempo a vida é tão somente banal e medíocre. Com toda maravilha que se possa ser. Em uma época de tantos pontos de exclamação, de tantas manifestações, opiniões e emotions. Eu sinto falta do banal. De ter uma vida banal. É paradoxal mas, a vida só encontra sua vocação de esplendor e notabilidade quando é banal. Só assim é um milagre. Eu sei que perdi parte desse tempo. As minhas escolhas me colocaram em uma posição em que eu jamais poderei sentir o privilégio dos meus ex-colegas. De conviver com o tempo e as pessoas e o espaço ao longo da minha vida. Mas eu ainda tenho tempo de ser mais banal nos meus dias daqui para frente.  Eu quero ser mais banal nos meus dias. Segurar com as duas mãos essas experiência também . No final pode até tudo se desfazer comigo, mas pelo menos tive da vida sua experiência mais genuína e pura. A vida em sua banalidade original.